sexta-feira, 13 de outubro de 2017

1977, a maior aventura de todas.


  Eu, como disse antes, nasci corintiano, meu pai já foi me vestindo com a camisa do Corinthians e me chamava de Baltasar, o cabecinha de ouro.
  Mas, acabei morando num orfanato no Ipiranga, onde a caravana que veio do Rio passou na volta da invasão do Maracanã.
  Em 77 me mudei para outro orfanato no Butantã, eu já tinha 11 anos, por conta da derrocada no sul, um ano antes, o corintiano andava meio sem fé, os torcedores rivais já haviam encomendado desenhos de um veado com as cores do Timão, se não fosse agora, completaria-se 24 anos sem títulos, subverteram o hino e as palavras eram cantadas assim:
  _"Pobre Corinthians, sempre brejeiro, andas matando a fiel do coração".
  O seu Luís, meu chefe na olaria, comprou dois ingressos para a última final e, um dia antes, me disse:
  _Toma neguinho, vai lá, dar sorte para o Corinthians.
  O seu Luís, a quem eu respeitava como a um pai, havia passado todos os 23 anos depois do centenário sem gritar campeão e, se sentindo um tremendo pé frio, me passou a bola.
  O Turquinho era mais velho ainda, costumava falar toda a escalação, do goleiro ao último reserva, daquele brilhante time de Luizinho e Baltasar, se convenceu da mesma coisa, retirou do bolso o ingresso dele e me deu:
  _Vê se arruma mais dois amigos que deem sorte ao time de Parque São Jorge.
  Chamei os irmãos Martins, teríamos que fugir do orfanato e a vida só faria sentido depois de ser campeão, o resto a gente pensaria depois.
  Às cinco horas da tarde, o diretor Sérgio, que era fanático pelo Palmeiras, pressentiu que algum corintiano poderia escapar na hora do recreio, trancou os portões de saída...que remédio, tive que sair pela fresta da janela da sala de aulas, impossíveis seis dedos e passei com folga.
  O Macalé, outro corintiano da antiga, nos levou do colégio até a Rodovia Raposo Tavares, descemos as mansões do Morumbi, tocando as campainhas e arrancando retrovisores dos carros dos bâmbis, na Corifeu encontramos a massa, milhões de almas iguais a nós.
  Já era o terceiro e derradeiro jogo, não era um rival da capital, era pior que isso, o time de Campinas era a base da seleção, estatisticamente, a Ponte era superior...Bom, se corintiano ligasse para estatísticas...
  O melhor jogador desse time estava nas arquibancadas, a Ponte se intimidou, com toda aquela pressão e, apesar dela, o torcedor não parava, empurrava o time e, empurrado, o time cresceu, a cada lance ficava claro que não passaria mais tempo sem o título, naquela noite poderia ser uma seleção, o adversário, não teria como ganhar do Timão.
  Quando aquela bola sobrou na frente do Basílio, todas as pessoas, homens, mulheres, adultos e crianças naquele estádio chutaram junto.
  Frações de centesímos de segundos, talvez o Carlos pegasse a bola, mas qual, o Carlos estava caído do outro lado, vinte e três anos passaram muito rápido pelas cabeças de todos os torcedores, vinte e três anos de tristezas, vinte e três anos e um grito calado no peito.
  A rede estufa e o estádio treme, meus olhos ainda acompanham o camisa cinco, seu jeito de comemorar é único, espontâneo, sem o compromisso da eternidade.
  Entre os abraços, um senhor grisalho, ainda atônito, perguntou:
  _Valeu o gol??? E, fazia sentido, aquela dúvida, cá no banco, o Brandão explodia de felicidade e o senhor desfaleceu, enquanto todos se abraçavam, eu os os Martins levávamos o senhor à enfermaria, o resto do jogo, ouvimos na voz do Osmar Santos, consequentemente, fomos os primeiros a invadir o gramado.

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